terça-feira, 12 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - A santa Deslocalização

Sr Director (Independente):


No passado dia 20 de Fevereiro, o Sr Ministro da Indústria esteve na AIP, inauguravam-se as novas instalações da COPRAI, onde proferiu algumas palavras sobre o futuro da indústria portuguesa. Preconizou o Sr Ministro a deslocalização da "parte manufactureira" das empresas para terceiros países, nomeadamente no "eixo Atlântico".

Nada tenho a objectar a este modo de aproveitar a globalização dos mercados para instalar as empresas, ou parte delas, nas regiões onde os factores externos sejam mais favoráveis à sua laboração com vista a colocar no mercado os seus produtos (objectos ou serviços) com vantagens competitivas sobre a concorrência. É paradigmático (para além de pioneiro) o caso da British Airlines cuja contabilidade é feita na Índia. Nesta matéria, o Ministro limita-se a mostrar que assimilou os novos conceitos que os gurus das ciências da Gestão têm lançado nos últimos anos, o que só o abona.

Não posso, contudo, deixar de notar que o Ministro tutela uma área de actividade onde uma apreciável parcela dos cidadãos portugueses desenvolve a sua actividade, como empresários, accionistas e donos de empresa, uns, como empregados por conta de outrém, outros. Se o caminho apontado pelo Ministro é bom para os primeiros, já não se poderá dizer o mesmo para os segundos, os empregados da “parte manufactureira” das empresas transferidas para países terceiros. Ficarão desempregados, eventualmente à espera que alguma empresa de um país rico deslocalize para Portugal.

Dizem-me que como a economia caminha para a globalização, “tudo isto ficará equilibrado”, empresas portuguesas deslocalizadas para Marrocos (por exemplo), empresas alemãs deslocalizadas para Portugal, de modo que o nível médio de emprego tenderá a manter-se. Espero que assim seja. Receio, contudo, que o Governo deixe este mecanismo de equilíbrio entregue a si próprio, não exercendo a sua acção reguladora de forma sensata e eficaz de modo a:

1. Incentivar o investimento estrangeiro no mercado de capitais - o modo canhestro como a CMVM foi tratada no caso Totta, deve ter deixado os potenciais investidores perplexos com o à vontade com que o Ministro das Finanças “interpreta” uma lei existente, torce-a para o lado que quer e o PR promulga. Depois, arranja um novo presidente da CMVM, cheio de boa vontade e de garantias de independência!

2. Incentivar a instalação de novas empresas (estrangeiras, portuguesas e mistas) - neste caso, o Governo poderá estabelecer condições atractivas, facilidades fiscais e de acesso ao crédito ou outras (não esquecer a simplificação das burocracias), mas não pode esperar situações “eternas”, querendo que uma fábrica se mantenha aberta, acumulando prejuízos para manter postos de trabalho (como se fossem empresas públicas, tipo TAP, Siderurgia, CP, etc).

3. Incentivar a valorização do capital humano (ou capital inteligente, como já lhe ouvi chamar), começando por investir na melhoria da qualidade do sistema de ensino (do pré primário ao superior) e privilegiando a formação contínua dos gestores, pois situa-se aí o calcanhar de Aquiles da Indústria portuguesa (e não só da Indústria...).

Não nos espantemos se “a parte manufactureira” de uma empresa relocalizada no eixo Atlântico fôr á à falência! Pois se uma empresa gere tão mal que não consegue em Portugal custos de produção inferiores aos apresentados por empresas alemãs [1] (pagando estas salários múltiplos dos pagos em Portugal), não se percebe bem como é que a gestão melhorará no “eixo Atlântico”.

Por outras palavras, só uma empresa bem gerida (o que está longe de ser norma em Portugal) poderá colher vantagens competitivas na deslocalização.

Eu diria ao Ministro, que a aposta deve ser na gestão e não na deslocalização.

. . . . .

NOTAS:

[1] Refiro-me ao sector da construção civil.

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