sexta-feira, 15 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Os novos feiticeiros da treta...


Sr Director (Público):

O número do passado dia 5 trazia, nesta secção, uma carta assinada por Rosário Neves sobre um assunto que diz respeito à generalidade dos cidadãos, mas que é poucas vezes ventilado na comunicação social (faço uma honrosa ressalva à crónica de Escárnio e Maldizer de Pedro Arroja, na TSF, num dos primeiros dias de Março). A carta tratava do modo pouco ético como alguns médicos exercem a sua profissão, ilustrando com um caso vivido pela signatária.

Naturalmente já ninguém levará muito a sério a ideia antiga de que a medicina seria um sacerdócio, que os médicos teriam uma missão sagrada na Terra, que a prática da medicina se regeria por um código deontológico muito rígido.

A figura tradicional do médico de aldeia percorrendo distâncias por estradas esburacadas, a meio da noite, numa carripana a cair aos bocados para aliviar as dores de um velhote que lhe pagará com uma galinha ou com um “Deus lhe pague, Sr Doutor” , não é mais que uma imagem do passado.

A prática da medicina é hoje encarada como uma profissão como outra qualquer, em que o médico oferece os seus serviços e recebe por eles uma retribuição (talvez ainda haja quem receba em galinhas, mas, em geral, é em dinheiro que os serviços são pagos).

Até aqui, tudo bem. Só que há “pequenos pormenores” que talvez exijam mesmo um código deontológico elevado, e uma fiscalização (a que existe é totalmente inoperante) capaz de garantir o seu cumprimento.

Desses “pequenos pormenores” , sem querer ser exaustivo, indico:

1. O médico trata da saúde de pessoas; não repara carros, nem máquinas de lavar. Sendo a saúde “o bem mais precioso”, o médico fica numa posição negocial privilegiada na sua relação com o paciente, que nem sempre “se atreve” a pedir ao Sr Dr que lhe explique os porquês, comos, etc, da sua doença e do tratamento prescrito, nem sequer a pedir recibo. E muito menos a mandá-lo ir receber lá a casa, quando a catalogadora diz que “o Sr Dr não tem, de momento, recibos; passe por cá noutro dia”...

2. Quando o médico dá consultas nos serviços de saúde do Estado e no seu consultório privado, não lhe será muito fácil resistir à tentação de encaminhar para este os casos mais interessantes ou mais complicados, que exigem uma consulta com mais tempo e em melhores condições. Caso o paciente tenha “disponibilidades”, evidentemente.

3. Tendo o médico, por imperativo de constante actualização, necessidade de ter um contacto estreito com os grandes laboratórios de produtos farmaceuticos será, certamente, difícil resistir à tentação de prescrever o medicamento A em detrimento do medicamento B, quando o laboratório que fabrica o primeiro o convidou para um congresso em Singapura e o segundo o convidou para um congresso na Curia. E quanto a receitar genéricos, nem pensar, pois eles não dão garantias de qualidade (o verbo DAR talvez seja, de facto, o fulcro da questão).

4. A actividade médica é controlada por médicos (eles é que sabem de medicina, claro!). Assim, é extremamente difícil (se não mesmo impossível) levantar dados para fundamentar uma acusação de negligência, ou de prática incorrecta.

Não é injustamente que se diz que ...

os médicos enterram os seus erros.

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